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terça-feira, 13 de março de 2012

Como era o mundo - prólogo

Inspirada pelo desemprego e por uma notícia resolvi colocar um velho projeto no papel. 
Segue o prólogo de um livro que pretendo escrever, do qual o título, por enquanto, é Caleidoscópio.


"            Toca o despertador. Como sempre às 15 horas e 30 minutos. Ao contrário de muitos o seu dia não começava ao nascer do sol. O barulho crescente e agudo entrava em seus ouvidos, fazendo-a deixar para trás a tranqüilidade de seus sonhos.
            Bateu no botão superior do relógio como quem estivesse desferindo um golpe mortal em uma briga. Puxou o ar para dentro de seus pulmões soltando sob a forma de uma baforada quente em seu travesseiro. Jogou para fora da cama os lençóis já suficientemente bagunçados e sentou-se apoiando os cotovelos nas pernas, e a cabeça nas mãos. Podia sentir o quanto seu cabelo estava bagunçado. Espreguiçou-se enquanto resmungava em seus pensamentos o fato de ter que acordar para trabalhar.
            Levantou-se e foi em direção ao banheiro, o único cômodo efetivamente separado dos outros em sua quitinete. Abriu a torneira que jorrava água gelada, e com as mãos em forma de concha molhou seu rosto. No espelho ela olhava não simplesmente o seu reflexo. Na verdade o espelho era somente um ponto material para fixar seus olhos, enquanto sua mente vagava para longe, pensando na vida que estava levando e em seus sonhos. Por alguns instantes ficou ali, atônita. Quando se deu conta percebera que se não corresse para arrumar sua quitinete e a si mesma, iria se atrasar para o trabalho. Ultimamente ela tem passado cada vez mais tempo de frente com o espelho ao acordar.
            Tomou um banho rápido, pegou a roupa que deixara separada antes de dormir sob a cadeira e a vestiu às pressas. Jogou os lençóis bagunçados em cima da cama, apanhou uma maçã que sequer foi lavada e correu em direção à porta.
            Todos os dias era essa rotina. No fundo ela não ligava muito para isso tudo. A bagunça dos lençóis não a incomodava. Seu nome é Fernanda. Ela se reconhece ao abrir a porta do elevador e dar de cara com o espelho. Mexe em seus curtos cabelos castanhos e lisos, nada que faça muita diferença.
            Desde os 18 anos Fernanda mora nesta quitinete. Foi quando resolveu abandonar a casa de seus pais. Nunca se dera muito bem com eles. Então vem trabalhando em bares e lanchonetes na expectativa de conseguir juntar algum dinheiro para que um dia possa fazer uma faculdade. Seu desejo era cursar jornalismo, mas todo o dinheiro que entrava do seu salário era rapidamente gastado com as dívidas que tinha para quitar.
            Hoje Fernanda está com 22, e todos estes anos passados desde que saíra de casa ela acumulou experiências e frustrações. Ela sempre encarou a sua vivência com muito positivismo, ela sabe que no fundo só é possível crescer se passar pelas provações da vida. Fernanda não é de se preocupar muito com as coisas, escolha sábia, diga-se de passagem.
            Seu emprego atual é em um bar que fica próximo de sua residência. Nada de muita classe, mas também não era um boteco qualquer. Era um bar onde apareciam pessoas de todos os tipos. Fernanda não se importava em trabalhar em um bar, na verdade ela gostava de estar ali. Talvez apenas gostasse por uma questão de comodidade, mas não deixava de ser uma motivação. Fernanda na verdade gostava de pessoas, e trabalhar em um bar era sempre uma diversão para ela que se deleitava ao observar os clientes do mesmo.
            Quem não gostava do trabalho de Fernanda era Luís, seu namorado. Eles estão juntos há dois anos e meio. Luis tinha acabado de se formar em história e planeja fazer um mestrado. Enquanto isso leciona em colégios e cursinhos, além de dar aulas particulares quando tinha algum tempo de folga.
            Fernanda comia a sua maçã enquanto esperava a luz do semáforo tornar-se vermelha. A cidade a sua volta corria. Os carros passavam a menos de dois metros dos corpos nas calçadas. As pessoas iam e vinham cada uma em seu mundo mostrando suas alegrias, tristezas, desgostos ou outros sentimentos banalizados. E enquanto a cidade vivia seu caos cotidiano Fernanda simplesmente saboreava a sensação de morder aquela maçã tão vermelha. Vermelha como a cor que ela queria tanto que ficasse o semáforo.
            O caminho de casa até o bar era o seu favorito. Apesar de não ter muito dinheiro ela vivia em um lugar bom, perto de tudo que precisava para viver. Não que ela precisasse de muito também. Ela se sentia bem sempre que refazia os passos em direção ao trabalho, pois sabia que aquele caminho era seu, ela que o criara sozinha. Nada como o gosto de maçã com independência.
            Chegando ao bar encontra-se com seu chefe, Antônio, ou Tonhão como conhecido pelos freqüentadores. Um homem que devia ter por volta de 50 anos, portador de uma larga circunferência abdominal, de um bigode preto e pomposo sob seu robusto nariz, e de uma simpatia nem sempre muito aparente. Por sorte ele gostava de Fernanda. Não tinha motivos para não, ela é uma boa funcionária.
            O bar era cheio de tralhas penduradas em todos os cantos em que fosse possível pendurar alguma coisa. Tonhão achava que atraia clientes criar um clima de maluquice, era o que dizia. Nas paredes retalhos de lembranças de desconhecidos que deixavam objetos, recados ou fotos para que pudessem marcar suas existências em um singelo bar no meio da cidade de São Paulo. Até mesmo Fernanda já deixara sua marca ali. Colara, em uma das prateleiras onde se encontravam as garrafas, um extrato de sua conta bancária negativa datada de dias após a data em que deveria ter sido feito o seu pagamento. Tonhão não gostava muito, mas achava original, por isso resolveu deixar ali como estava. Fernanda não gostava de admitir, mas no fundo achava seu chefe uma pessoa muito interessante.
            Entrava no emprego todos os dias às 16 horas e não tinha horário fixo para sair. Não se importava de ficar até tarde. Conseguia um dinheiro extra das gorjetas que recebia dos clientes embriagados que permaneciam sem pressa de ir embora à noite. O bar se chamava La Bella Notte, e tinha um movimento relativamente grande. Não que isto significasse que os freqüentadores fossem de qualidade, mas todo movimento é positivo para ela que lucra com a embriaguez alheia.
            Ela não recebia muito por seu trabalho, e mesmo assim se empenhava como se seu cargo fosse de uma importância relevável. Por isto que Tonhão, sempre que possível colaborava para um aumento simbólico em seu salário. E assim todos os dias ela chegava às 16 horas no bar La Bella Notte, limpava todo o bar, arrumava as mesas, e servia os clientes, de todos os tipos, até altas horas da noite, para então recolher as mesas e cadeiras da calçada, limpar o balcão e fechar o local.
            Não se preocupava com o caminho de volta, mesmo sendo madrugada quando voltava para casa. Ela morava em uma região movimentada, cheia de bares, boates, teatros, com pessoas circulando pela rua a qualquer hora. E assim foi constituindo a sua rotina, salvo pelos dias em que Luís a visitava, seja antes ou depois de Fernanda ir para o trabalho; mais comumente antes.
            Tudo era assim até esta quinta feira. Quando Fernanda acordou ao som de seu odiado despertador, crente de que seria mais um dia como outro qualquer, mal sabia o que ela encontraria pela frente, e como coisas tão singelas poderiam mudar o seu mundo, ao menos a sua maneira de compreendê-lo.
            Dizem que nossas crenças são baseadas nas experiências que temos ao longo da vida, e assim nos programamos para identificar um padrão das coisas, das situações, tudo baseado em nossas visões de mundo. Porém, a partir do instante em que visualizamos uma situação corriqueira sob um olhar diferenciado, notamos que o mundo é capaz de mudar extremamente, pois o mundo externo não passa de um reflexo de nossas singelas experiências.
            Fernanda acordou ao som de seu odiado despertador. O mundo estava prestes a mudar."

domingo, 4 de setembro de 2011

terça-feira, 31 de maio de 2011

Preciso


Nesses dias precisos a vida tem fluído como um último suspiro que sai pela boca, quente e intenso, dizendo à alma que então basta. Abro os olhos para não enxergar o que está contido no escuro. Apaguei as luzes pois tive medo de descobrir que o monstro que me assombrava não passava de um monte de roupas velhas jogadas pelos cantos do quarto. E no final não passavam de apenas roupas velhas.

Passo os dias correndo.
Passo as noites acordada.
Beijo de olhos abertos.
Amo de olhos fechados.

Então, quando tudo estava precisamente sincronizado, como as engrenagens de um relógio, não houve Descartes que fosse capaz de silenciar o som de minha alma se desfazendo. A tua simples lembrança se fez presente por míseros dois minutos e quartorze segundos, período de tempo que se fez eterno enquanto durou. Dois minutos e quatorze segundos inundados de um passado mal resolvido e estragado pelo tempo. Dois minutos e quatorze segundos que pude me lembrar o que seria esta estranha coisa chamada sentir. Eu me lembrei do que é feito esse tal de amor... [é de música...]

Quando te deixei para trás, me deixei contigo. Hoje não me pertenço mais.

sábado, 7 de maio de 2011

Para virar lembrança


Aperto a mão contra meu peito como se fosse possível, assim, fazer caber osso e carne em um espaço fictício e paralelo. O problema não é o vazio, a verdade é que carrego um peito cheio de musturas, de sonhos, expectativas, passados, presentes e futuros. Tão cheio que tantas vezes me perco dentro de mim.
Há desejos que brotam, há pessoas que voltam, sorrisos que escapam ignorando tudo o que se passa por fora.
Carrego olhares, toques e cheiros. Todos eles sei de cor, ao menos os que me interessam. Carrego o vento que me trouxe o frio, a chuva que estragou meu cabelo e o quente de um pedaço de luz que passou pelas arestas da janela e tocou a minha pele, sutilmente, delicadamente, deixando um brilho sereno nesta carne opaca.
Hoje sei que para virar lembrança não é preciso ser profundo, basta que seja verdadeiro.

terça-feira, 3 de maio de 2011

O que seria de mim sem minhas desilusões?

Te olho nos olhos e esqueço de mim e de todo o nosso passado. Fica até fácil de acreditar que poderia dar tudo certo de uma vez por todas. Tudo se justifica, tudo se desfaz.
Outras paixões são insignificantes e toda a dor que já foi tão presente faz de conta de que sempre foi só felicidade e eu poderia então permanecer te olhando, enfim.
Me sinto impotente e perdida, mas tudo fica bem. Seria tão errado abrir mão de tudo outra vez?
Quando tudo se desfez caminhei sozinha com meus sonhos bastardos e tive de me fazer de forte para poder me manter sempre ao lado teu. Talvez este tenha sido o grande erro. Hoje a tua presença está amalgamada em minha carne, e memo sem estar contigo não sei viver sem você.
E quando me olhas com olhos tão carinhosos, eu me perco no tempo e espaço e já não sei mais o que é certo ou errado. Só sei que por você eu abriria mão de tudo. Como não faria por mais ninguém.
Gostaria de querer que não me olhasses assim.
Mas não posso negar que amo os seus olhos.
O que seria de mim sem minhas desilusões?

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Sobre platão e um piano


Ontem quando terminei de ler 'Memórias de Minhas Putas Tristes' de Gabriel García Marquéz fiquei a princípio atordoada, pois a partir do momento em que o abri pela primeira vez me tornei ansiosa de manter os meus olhos nele até que se chegasse ao final. E assim toda a informação ficou flutuando em minha cabeça, desnorteada.
Posso dizer que sofri das dores do personagem que vivia um amor platônico por uma menina do qual ele só conhecia quando embalada por seus sonhos. O fato é que quanto a menina pouco me afetou, o mais real foi compartilhar dos momentos ilusórios em que ele ia para a casa e fazia presente a figura de sua amada em todos os cantos da sua vida.
Todos já tivemos amores platônicos, diria até que a maioria de minha minhas paixões foram mais em nível mental do que em carne e osso. Mas hoje vivo uma espécie de amor que, apesar de também ser platônico, é diferente de todas as outras.
Estou apaixonada por um piano.
Minto.
Sempre fui apaixonada por um piano. Mas é que nesses últimos tempos ele se envolveu com outra pessoa e partiu meu coração. Falo de um garoto, que deve ter os mesmos tantos de anos que eu. Ele é quieto e tímido, pelo pouco que sei. Acho que deve ser porque ele gosta de falar é com música. Chamam-no de Vitinho, mas preste atenção, o sotaque é lá do Recife! E ele me deixa maluca de ciúmes porque ele toca o piano com mais amor do que qualquer outro que eu já tenha visto na minha vida. Ele não tem vergonha na cara, fecha os olhos e se enrosca nas teclas, deixando o corpo pulsar junto à música, fazendo até careta. E o piano excitado lhe responde soando as notas mais belas que tem, aquelas que ele guardou para uma ocasião especial.
A verdade é que eu jamais seria capaz de amar um piano com tamanha intensidade, dói em mim aceitar que talvez eles sejam mais felizes juntos.
Agora chegue mais perto, tenho que contar um segredo... Apesar do fato de que eu queria que o piano se entregasse a mim como fez com Vitinho, não poderei jamais negar que ele era a pessoa certa. De todas que já vi, e de todas que virão, não há de existir mais verdadeira paixão. Paixão que desenrola, sem estar presa em técnicas, métodos ou regras, paixão que conduz os dedos já habituados, ora para momentos de fúria, ora para valsas de amor.
Continuarei com o piano no pensamento. Assim como a 'Delgadina', espero que algum dia eu possa tê-lo para mim acordado, ainda está adormecido.
No final das contas, tanto eu quanto Gabriel García Marquéz sabemos o quanto é possível morrer por amor.

sábado, 26 de março de 2011

Esses dias estranhos


Vou vivendo esses dias estranhos sem (querer nem poder) entender.
É que se eu parar pra pensar sei que irei me afastar...
Por isto não penso.
Mesmo sabendo das consequencias estar ao seu lado me faz bem.

sábado, 19 de março de 2011

Metalinguística



Sou um olhar, um pulso que corre até os pontos mais distantes da minha simples existência. Sou uma verdade que mentida entre tantas estórias faz-se novamente verdadeira para aqueles que são capazes de apenas ver. Sou o ritmo que conduz o fôlego que inflama em teu peito. Sou o toque que transborda as sensações da alma.
Sou simples na minha complexidade, apenas um universo, dentre tantos. Sou meu Deus, sou meu futuro e meu passado. Sou e somente sou, como que fluindo junto ao vento, deixando a vida me soprar para onde caiba a minha imensidão.

Distorção





Dizer que teu carinho é indiferente seria me enganar do meu mais dentro para fora.

(In)Felizmente sei que te terei ao meu lado sempre que te precisar.

Mas para sempre existirá a ausência de nosso futuro.



Te amar nunca foi uma escolha.

domingo, 13 de março de 2011

Desamor





















Meu ego egoísta te quer me querendo mesmo sabendo que não pretendo fazer nada a respeito disto.
Seria uma ausência da dependência de se amar alguém?
Uma disputa por apego onde se perdem as vaidades e resta somente o podre, daquilo que poderia ser tão belo.
Um medo incabível de se enxergar que não se tem nada.
O olhar calado de quem teme por não ter o que dizer.
E o peito quente de quem não tem o controle da situação.