Pages

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Por Debaixo dos Travesseiros


Há dias em que sinto sentimentos que sequer posso dizer que são meus. Talvez porque a minha vida tem escapado de minhas mãos, de modo que meus sonhos, hoje conformados, tiveram de se moldar às expectativas e desejos de um mundo que nos conduz sem sequer nos perguntar qual seria a nossa vontade.
            E assim, viver uma vida que não existe é o único placebo capaz de nos fazer dormir, sem termos que ingerir um ansiolítico qualquer. O momento em que deitamos nossos corpos sobre o colchão macio, e fechamos nossas pálpebras, chega a ser o momento mais intenso de nossos dias, pois é quando reunimos todas as informações, passamos a limpo o dia em nossas mentes, e com medo da frustração embutida na realidade, imaginamos situações, pessoas, momentos, circunstâncias. Criamos uma vida virtual, sem a necessidade de um modem ou roteador.
            Escondemos nossos desejos por debaixo dos travesseiros. Certas coisas dão até vergonha de se mostrar ao mundo, de tão fictícias que chegam a ser. E assim a realidade fica mais confusa do que já era antes, pois nossos sonhos sempre irão tentar invadir a realidade, uma vez que não temos controle sobre os mesmos. Ao notar que a vida de olhos abertos é totalmente distinta da que visualizamos sem necessariamente enxergar, é inevitável, sempre dói, por menor que a dor seja, por mais que já se saiba que irá doer.
            Assim acordamos pré-dispostos a nos amargurar com os acontecimentos do cotidiano, pois sabemos que serão sempre os mesmos ordinários acontecimentos. Ficamos de mau humor por motivos pequenos, brigamos sem ter motivos, nos magoamos sem dar chances para que quem nos magoou saiba disto. Vivemos sentimentos que sequer são nossos.
            Espero não ter que viver em função de minha auto-afirmação, corresponder minhas expectativas já é difícil o suficiente para que eu tenha que satisfazer aos outros também. Triste é pensar que a vida se ajusta ao necessário.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Vicissitudes


           Nossos olhos se fecham diante da impureza da alma. Nascemos com os olhos cerrados, e só os abrimos após um bom tempo de vida. Talvez porque abrir os olhos para o mundo deva doer. A partir do momento em que separamos nossas pálpebras nossa inocência é tomada aos poucos, dia a dia, até que chegamos a um ponto em que nos resta somente à malícia e a sabedoria; é o que adquirimos com o tempo.
          Se nascer fosse fácil, não demoraria tanto tempo para acontecer. Pode-se dizer que é o primeiro e maior impacto do indivíduo, que até então vivia em um ambiente escuro, quente e isolado, e então passa para um mundo frio, em que o isolamento é o maior de todos os temores, talvez porque as pessoas não saibam mais como lidar consigo mesmas. E toda a proteção do útero não mais adiantará para nada, por mais que se tenha uma mãe protetora e carinhosa, o mundo é o mesmo para todos. Em algum momento a realidade irá lhe tirar o chão, e perceberás que enxergar a malícia não é uma atitude que desmerece o caráter, é somente uma questão de sobrevivência.
          Sorte que nossas vidas, por mais curtas que pareçam, duram muito tempo. Tempo suficiente para conseguirmos assimilar circunstâncias e sentimentos que exigem um entendimento que muitas vezes não está ao nosso alcance quando passamos pelos mesmos.
           Brincar de viver é para criança forte. Não existe maneira de se preparar para a vida, ela chega de repente e quando nos damos conta estamos mais perdidos do que nunca, nos perguntando – como tudo ficou assim, tão de repente? Parece que tudo que já foi simples um dia, hoje se tornou de uma complexidade incabível, e nossas relações são cada vez mais capciosas; perdemos o medo do escuro, mas não somos capazes de dormimos sozinhos.
            Se eu pudesse nascer de novo nesta vida, permaneceria com meus olhos cerrados o máximo de tempo possível, pois uma vez abertos já é o suficiente para que o mundo invada nossas almas com suas vicissitudes, temores e prazeres.
            Dizem que somos livres, mas estaremos sempre presos à realidade.