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quinta-feira, 3 de junho de 2010

Vicissitudes


           Nossos olhos se fecham diante da impureza da alma. Nascemos com os olhos cerrados, e só os abrimos após um bom tempo de vida. Talvez porque abrir os olhos para o mundo deva doer. A partir do momento em que separamos nossas pálpebras nossa inocência é tomada aos poucos, dia a dia, até que chegamos a um ponto em que nos resta somente à malícia e a sabedoria; é o que adquirimos com o tempo.
          Se nascer fosse fácil, não demoraria tanto tempo para acontecer. Pode-se dizer que é o primeiro e maior impacto do indivíduo, que até então vivia em um ambiente escuro, quente e isolado, e então passa para um mundo frio, em que o isolamento é o maior de todos os temores, talvez porque as pessoas não saibam mais como lidar consigo mesmas. E toda a proteção do útero não mais adiantará para nada, por mais que se tenha uma mãe protetora e carinhosa, o mundo é o mesmo para todos. Em algum momento a realidade irá lhe tirar o chão, e perceberás que enxergar a malícia não é uma atitude que desmerece o caráter, é somente uma questão de sobrevivência.
          Sorte que nossas vidas, por mais curtas que pareçam, duram muito tempo. Tempo suficiente para conseguirmos assimilar circunstâncias e sentimentos que exigem um entendimento que muitas vezes não está ao nosso alcance quando passamos pelos mesmos.
           Brincar de viver é para criança forte. Não existe maneira de se preparar para a vida, ela chega de repente e quando nos damos conta estamos mais perdidos do que nunca, nos perguntando – como tudo ficou assim, tão de repente? Parece que tudo que já foi simples um dia, hoje se tornou de uma complexidade incabível, e nossas relações são cada vez mais capciosas; perdemos o medo do escuro, mas não somos capazes de dormimos sozinhos.
            Se eu pudesse nascer de novo nesta vida, permaneceria com meus olhos cerrados o máximo de tempo possível, pois uma vez abertos já é o suficiente para que o mundo invada nossas almas com suas vicissitudes, temores e prazeres.
            Dizem que somos livres, mas estaremos sempre presos à realidade.

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