Pages

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Maria e o Mundo

Maria, grande mulher.

Maria trabalha em minha casa, e já foi bóia-fria. Teve uma vida muito árdua no norte de Minas Gerais. Gosto de Maria.

Outro dia conversávamos, eu e Maria, enquanto ao fundo ouvia-se a televisão. Era uma conversa simples, sem muitas palavras, simples como o caráter de Maria.

Nós ouvíamos nossas vozes e ouvíamos também as vozes do mundo que saíam da pequena televisão. Nossas poucas palavras foram canceladas ao ouvirmos uma notícia trágica. Se não me falha a memória, tratava-se de um garoto que matou os pais, ou os avós. Maria ouviu, assim como eu, e Maria falou, mas sem palavras desta vez. Maria falou com sua expressão. Um simples instante que não durou sequer dois segundos, mas que disse mais do que milhões de bocas poderiam falar. Em sua face, a decepção. Maria que tanto de si deu para o Brasil, nunca ganhou nada em troca dele.

Olhei para Maria e disse

- É Maria, o mundo está perdido.

Maria me respondeu:

- Não é o mundo, são as pessoas.

Maria disse pouco, disse sete, sete palavras em uma frase tecida com sabedoria. Maria sequer terminou seus estudos, aliás, retomou-s agora e com muito orgulho. Maria não conhece política, filosofia, sociologia, Maria não conhece o mundo, mas sabe do mundo. Maria pode falar com poucas palavras, ou até mesmo sem estas, pode não conhecer das coisas, não saber o que é a internet e ter votado no Lula porque ele ajudou-a com suas inúmeras bolsas, mas Maria entende da vida.

Ela pode não ter livros, computador, nem televisão em sua posse, mas Maria traz consigo as marcas de sua existência sejam como cicatrizes em seu corpo, ou como a memórias em sua mente. E isso não há quem tire dela, é o seu bem mais valioso, é a sua sabedoria. Que venha Freud, Maquiavel, Platão. Maria sequer imagina quem sejam eles. Mas Maria sabe da sua dor, e isso fez dela a mulher mais sábia de Atibaia naqueles 30 segundos, naquela conversa de poucas palavras, naquele momento de decepção.